Tem um minuto?

Publicado originalmente na revista Morel.

Até hoje meio que não acredito que fiz este retrato do cineasta alemão Werner Herzog. Muita gente também não, me perguntam Mas foi você mesmo que fez? Aconteceu em 17 de maio de 2011, uma terça-feira às 19h26 no Instituto Goethe em São Paulo. Haveria uma mostra com todos seus filmes e ele daria uma palestra na abertura. Foi através da ajuda da minha amiga Renata Megale que consegui que o jornalista Eduardo Simões, que mediaria a conversa, me permitisse ficar 3 minutos com Herzog para foto. Mas ela durou apenas 1 minuto. Todos os 10 arquivos brutos da sessão marcam 19h26 como horário que foram criados. Ansioso, cheguei 2h antes para arrumar tudo. Quase não houve direção, talvez apenas um "Não precisa olhar pra lente". Depois dos 10 cliques ensaiei trocar algumas palavras com ele. Tentei falar sobre uma outra sessão de fotos que ele fez com um dos meus fotógrafos predileto, Nadav Kander. A conversa não foi longe. Ele apenas me respondeu "Sir, excuse me, I have to give a lecture now." Só neste momento me caiu a ficha que estava na frente mesmo de um dos meus cineastas prediletos. O motivo: sua voz. Falou comigo na mesma cadência, sotaque e dramaticidade em que narras seus filmes. Apenas consegui responder "Thank you, Mr. Herzog" e não achava que tinha uma foto boa. Mas tinha esta. Lembro de como, sozinho em casa depois, fiquei extremamente feliz comigo ao ver esta imagem. Achava que ela estava um pouco à altura dele. Até hoje esse é um tipo de felicidade que me espanta, por ser muito diferente, a de conseguir fazer uma foto boa de alguém. Lembra um pouco tocar em uma banda, quando se esquece de tudo e acontece apensa uma felicidade pura e cristalina, apesar de super rápida. Mas por uma década ela nunca foi usada por ninguém. Até que em 2022 a editora Todavia se interessou por ela, pois iriam publicar o livro "O crepúsculo do mundo" escrito por Herzog durante a pandemia. Conta a história de um soldado que continua acreditando que a Segunda Guerra ainda estava em curso 30 anos após de seu fim. Uma história real que estava vivendo na cabeça dela há 20 anos. A foto tambem estampou uma página inteira do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo de sábado, 30 de abril de 2022. Não fiquei triste de ver ela daquele tamanho. Na palestra no Goethe Herzog disse "Trabalhei sem público durante anos." Essa foto por muitos anos ficou sem público também. E 10 anos depois parece que ela ganhou uma nova vida, chegou seu momento. O que é um bom ensinamento em uma época de tanta velocidade. E que me remete à capacidade interessante da fotografia de reverberar pelo tempo. Um encontro de 1 minuto poder durar tanto tempo. E de nos proporcionar vermos melhor o mundo e as pessoas. De elevá-las para um lugar além do tempo e espaço, para além da agitação e banalidade da vida cotidiana, aonde elas sempre mereçam estar.